Olá! Amanhã acontecerá na câmara de Campinas a votação, em caráter de urgência, do projeto de lei da escola sem partido. Vou escrever um pouco sobre esse projeto aqui.
A julgar pelo nome, não é nada de mais, pois não deveria ter partido (político) na escola. Os defensores do projeto também dizem que ele é inofensivo, pois “é só um cartaz que vai ser colado na sala de aula lembrando o que o professor deve ou não fazer”. Porém, na prática o que acontece é uma perseguição política onde estudantes são incentivadas/os a filmar docentes fazendo “doutrinação ideológica”. O que é doutrinação ideológica? Aparentemente, é falar sobre política, gênero e ensinar as “ideias da esquerda”.
Veja bem, eu concordo que a escola não é lugar de propaganda partidária, mas deve-se falar sobre política, sim. Todos nós somos seres políticos e a política faz parte de nossa vida. Sendo assim, ela deve ser discutida e professoras/es têm o papel de despertar a consciência política. É possível tratar o tema não apenas nas aulas de Sociologia, História, Geografia, mas trazer um conteúdo transversal em outras áreas. Mas – aí é que está – você não é obrigada/o a fazer isso se não quiser; entretanto, o projeto visa proibir que quem quer o faça. É essa liberdade que está sendo tirada. Um dos itens do projeto diz que docentes não devem incentivar estudantes a participar de manifestações. Essa participação deve ser incentivada, seja para ir em um protesto “Fora Temer” ou um protesto “Fora Dilma”.
Se estudantes lésbicas, gays, trans estiverem sendo vítimas de bullying e a professora ou o professor intervir falando sobre o assunto, poderá ser punida/o por estar fazendo “apologia à homossexualidade, doutrinando com a ideologia de gênero”. Em primeiro lugar, homossexuais e transsexuais não vão “desaparecer” se a escola parar de acolher. Os conservadores podem tentar esconder o máximo possível, mas essas pessoas continuarão existindo. Em segundo lugar, ninguém torna-se homossexual porque ouviu falar que ser gay não é errado ou porque viu um casal gay se beijando na TV. É completamente bizarro pensar isso e é bizarro que em pleno 2017 eu ainda tenha que dizer isso, mas: orientação sexual não é escolha e não é possível de mudar ou de ser mudada por terceiros. Se isso fosse verdade, simplesmente não existiriam homossexuais porque nós somos cercadas/os pela heteronormatividade o tempo todo em todos os lugares, não é mesmo?
Na última quinta-feira aconteceu na câmara de Campinas um debate sobre o projeto da escola sem partido, organizado pela vereadora Mariana Conti (PSOL) e pelos vereadores Carlão do PT (PT), Pedro Tourinho (PT) e Gustavo Petta (PCdoB), com a participação de uma professora da Faculdade de Educação da Unicamp e outra da PUC. Quando foi dada a palavra ao público, um representante do Movimento Brasil Livre disse que “a escola não é lugar de livre expressão porque senão o professor poderia fazer strip-tease em sala de aula”. É sério, o argumento dele foi esse. Existe vídeo disso. Bom, além desse argumento ser, francamente, ridículo (por que um professor faria isso?), ele parte de um engano com relação à liberdade de expressão. A liberdade de expressão não pode ser usada para cometer crimes como racismo ou ato obsceno.
Vale lembrar que esse projeto já foi declarado inconstitucional. Tudo bem que a nossa Constituição não parece estar valendo muita coisa hoje em dia, mas a gente ainda precisa defender que ela seja seguida, né?
Eu também acho o projeto particularmente ofensivo porque ele fala em “audiência cativa” de estudantes e as/os trata como se fossem incapazes de desenvolver pensamento próprio. Isso não é verdade. Qualquer estudante tem uma visão de mundo baseada em suas experiências e vivências familiares, escolares e com amigas/os. O ideal de professoras/es é propor debates que ampliem sua forma de pensar, não que vão limitar ou anular toda a bagagem individual.
Agora, vamos falar sobre doutrinação e ideologia. Você foi doutrinada/o na escola? Eu fui. Meus professores me ensinaram que eu “não seria ninguém” se não me formasse em uma universidade. Ah, uma universidade pública, viu? Porque eles zombavam constantemente de quem fazia universidade particular. Além de todo aquele discurso de que eu fazia parte da “elite intelectual do país” (eu fiz colégio técnico), que precisava estudar mais do que os outros, meritocracia etc. E faziam piadinhas com mulheres, com gays. Eu gostaria muito de dizer que devo a pessoa politizada que sou hoje aos meus professores, mas isso não é verdade. Devo muita coisa aos meus professores, mas infelizmente essa não é uma delas. Aliás, meu aprendizado de História foi muito raso. Eu mal aprendi história do Brasil e definitivamente nunca estudei marxismo. No Cotuca (Colégio Técnico da Unicamp), para não sobrecarregar por causa da junção de ensino médio e técnico, nós temos dois anos de História e dois anos de Geografia, não três anos das duas disciplinas. Vai me dizer que considerar essas duas como menos importantes não é ideologia? E o projeto da escola sem partido tentando determinar o que os professores podem ou não falar em sala de aula, não é ideologia? A neutralidade não existe.
Enfim, podia falar mais muita coisa sobre o tema, mas acho que deu pra começar e preciso estudar pra prova de mestrado. Vou deixar links úteis aqui:
- Escola partida: Site da Minha Campinas com um dossiê sobre o projeto para entendê-lo e uma ferramenta para enviar email pressionando os vereadores a votarem contra.
- Vídeo do debate na câmara de Campinas
- Parecer técnico da Faculdade de Educação da Unicamp explicando porque docentes se posicionam contra
Até a próxima!