Este post é a adaptação de um textão de desabafo que fiz na outra rede social (conhecida como facebook) após ao longo de 3 meses de greve ler aproximadamente 2376 comentários chamando grevistas de “vagabundos que não querem ter aula” (daí pra baixo).
Quem diz isso não tem a menor ideia do que é uma greve e de quem são as(os) grevistas. Eu estive ativamente na greve e tenho orgulho disso. A nossa greve luta pela educação, por cotas, permanência e ampliação. Fora da greve, nos meus 5 anos de graduação eu:
– Trabalhei 3 anos voluntariamente no projeto de extensão do Instituto de Artes de oficinas gratuitas de música para crianças;
– Fiz uma iniciação científica PIBIC;
– Apresentei 8 trabalhos em encontros/congressos nacionais e 1 em congresso internacional;
– Escrevi um capítulo de livro;
– Fui bolsista do PIBID e dei aula de música em escola pública por mais de 3 anos, sendo 1 ano voluntária quando tinha bolsa PIBIC;
– Fui PAD (monitora) voluntária de 5 disciplinas;
– Trabalhei voluntariamente no UPA em 2013;
– Fui fiscal da prova de aptidão em Música em 2013, 2014, 2016;
– Sou da comissão organizadora do Encontro de Educação Musical desde 2013;
– Fui estagiária na escola de música gratuita que é parceria da Unicamp com a prefeitura por 2 anos.
– Acho que também é válido falar que compartilhei boa parte disso tudo neste blog, como dá pra ver pelos links acima, e sempre respondo dúvidas que me enviam por email e facebook.
Essa lista foi só pra elencar que eu participei de praticamente todos os projetos possíveis da universidade, especialmente daqueles feitos para ou com algum retorno para a sociedade. (A lista não conta trabalhos fora da universidade) E eu não sou a exceção, a greve na Unicamp foi feita por muita gente que dá aula em cursinho popular, que faz trabalho voluntário, que faz parte de coletivos que lutam pelas minorias, que estuda e pesquisa pra caramba, que trabalha sem direitos trabalhistas para ter uma bolsa que possibilite sua permanência na universidade. E mesmo quem não faz um monte de trabalhos paralelos não é vagabundo, porque só conseguir estudar e se manter na universidade já é uma batalha bem grande. Eu tive/tenho muitos privilégios e justamente por reconhecer isso luto por quem não tem.
Eu trabalhei em dobro na época da greve, porque em vários dias ia logo cedo pra Unicamp construir a greve, saía pra trabalhar e voltava pra Unicamp à noite. Eu optei por não ter férias para continuar fazendo a greve em julho, por acreditar que nossa luta era legítima. Não fiquei em casa adiantando meus trabalhos e estudos. Ainda assim, quando a greve acabou, fui em todas as aulas de reposição e entreguei todos os trabalhos acumulados dentro do prazo. Não digam que eu não queria estudar. Eu estava (estou) no meu último ano de graduação e poderia ter atrasado minha formatura em um semestre. Mesmo assim, tem coisas mais importantes. Além disso, o aprendizado não se dá somente na sala de aula. Os dias da greve foram dias repletos de aprendizado. Tivemos aulas públicas, uma até no centro de Campinas, rodas de conversa, debates, assembleias.
Então parem de dizer que a gente não quer estudar. Parem de acreditar na mídia, ela nunca apoiou manifestações populares. Nós não vivemos uma divisão entre “aqueles que querem estudar” e “aqueles que não querem”. Quando a greve acabou todos os grevistas voltaram pra sala de aula e voltaram a estudar normalmente. A única diferença é que alguns além de estudar também se preocupam com outras questões. Eu penso que como estudante universitária é minha obrigação, além de estudar pra conseguir um diploma, lutar pela universidade pública gratuita, pela permanência e pelas pessoas que não estão aqui. Tem aquele discurso de “concordo com as pautas mas não com a greve”, mas nunca vi ninguém sugerir outros métodos. Os grupos anti-greve só militam contra a greve e contra a “hegemonia da esquerda” (???????), fazendo posts que expõem grevistas a todo tipo de discurso de ódio e ameaças.
PS: Eu não sou filiada a nenhum partido político e tem muita gente que também não é. Não acreditem nessa história de que todo grevista é do PSOL ou do PT, que é uma bobagem tão grande quanto falar que grevista não quer estudar. Não acho que ter filiação política ou a alguma militância seja ruim, mas o movimento estudantil não se resume a isso.
PS 2: Eu queria ter postado este texto aqui mas não consegui pela falta de tempo (afinal, eu estava correndo atrás de conseguir cumprir todos os prazos do fim de semestre pós-greve). O que me motivou a postá-lo agora foi o triste assassinato do estudante Guilherme Irish pelo próprio pai, que aconteceu na semana passada. Tudo indica que o que motivou o crime foi um desentendimento familiar causado pelo posicionamento político do filho, que era militante e lutava por várias causas sociais, como o fim da cultura do estupro e apoio às ocupações contra a PEC. Isso me deixou muito triste, um de nós se foi. Podia ser eu. Essa cultura que criminaliza os movimentos sociais, que coloca um rótulo de “vagabundos”, “comunistas”, “petralhas” em quem luta tem culpa no que aconteceu. Precisamos acabar com essas ideias erradas. Finalizo o post com algumas homenagens ao Guilherme que encontrei no blog da Lola. Guilherme presente!