Imperialismo sonoro

O imperialismo é (muito resumidamente) uma política de dominação das nações mais poderosas econômica e/ou belicamente, buscando uma hegemonia global. Vou falar um pouco aqui sobre o conceito de imperialismo sonoro de Murray Schafer, compositor e educador musical canadense que faleceu recentemente, no dia 14 de agosto de 2021. Ele é conhecido principalmente pelo conceito de paisagem sonora e pelas propostas de limpeza de ouvidos.

No livro A afinação do mundo, ele traz uma verdadeira história dos sons ao longo do tempo, tendo como fontes as referências feitas a sons na literatura mundial. Por exemplo, ele analisa a influência dos sons na construção de mitos, mostra como as paisagens sonoras e a música mudaram após a revolução industrial e após a invenção de rádios e gravadores.

Sobre imperialismo, ele pondera que “a Europa e a América do Norte, nos últimos séculos, têm arquitetado várias estratégias destinadas a dominar outros povos e sistemas de valores, e a subjugação pelo Ruído tem desempenhado um papel considerável nesses esquemas” (p. 115).

Ele diz que a potência sonora é utilizada como demonstração de poder. Máquinas maiores fazem mais ruído, são imponentes. Para ênfase, afirma que “se os canhões fossem silenciosos, nunca teriam sido utilizados na guerra”. (p. 115)

Nessa mesma página temos a apresentação da ideia de imperialismo sonoro:

“Quando o poder do som é suficiente para criar um amplo perfil acústico, também podemos considerá-lo imperialista. Por exemplo, um homem com um alto-falante é mais imperialista que outro que não o possui, porque pode dominar o espaço acústico. Um homem com uma pá não é imperialista, mas um homem com uma serra elétrica é, porque tem poder para interromper e dominar outras atividades acústicas na vizinhança. (Nesse sentido, notamos que os homens que trabalham em ambientes externos foram capazes de melhorar notavelmente a sua posição, depois de tomarem posse de ferramentas que chamavam a atenção para eles. Ninguém escuta um coveiro.)” (p.115)

Posteriormente, o autor fala sobre o alto-falante: “Sabemos que a expansão territorial dos sons pós-industriais complementaram as ambições imperialistas das nações do Ocidente. O alto-falante também foi inventado por um imperialista, pois respondeu ao desejo de dominar outras pessoas com o próprio som.” (p. 135)

Ele traz uma referência em que Hitler afirma que sem o alto-falante não teriam conquistado a Alemanha (p. 135); além disso, os nazistas foram os primeiros a utilizar o rádio com o interesse de disseminar sua ideologia (p. 137).

No que se refere à música, também houve uma demanda pela ampliação sonora. “A substituição do cravo, de corda pinçada, pelo piano, de corda martelada, tipifica a agressividade maior de uma época em que os objetos pinçados ou martelados passavam a existir graças a novos processos industriais.” (p. 159) Ele também aponta que o piano da época de Mozart era diferente do piano da época de Beethoven, ele era ouvido com dificuldade em uma sala adjacente. Posteriormente o piano se tornou um instrumento capaz de ser ouvido a uma distância maior.

São muitas coisas para refletir: como o contexto da sociedade, das invenções, do ritmo de trabalho influenciam na música. E a importância que os sons e a potência sonora possuem, principalmente como demonstração de poder e superioridade. Nós vivemos em uma sociedade muito centrada na visão, somando isso ao fato de que não conseguimos “fechar os ouvidos”, acabamos deixando de perceber muitos sons à nossa volta, por costume ou por distração.

Recomendo muito os livros do Schafer para pensar sobre essas questões. E, não canso de repetir, o apanhado histórico que ele faz sobre os sons é muito interessante.


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